Um mito alcalino.

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Celebridades adeptas da água alcalina ajudaram a propagar a moda desse produto, mas especialistas recomendam, no seu lugar, a ingestão de água destilada para maior hidratação. Entenda por quê.

Celebridades adeptas da água alcalina ajudaram a propagar a moda desse produto, mas especialistas recomendam, no seu lugar, a ingestão de água destilada para maior hidratação. Entenda por quê. 

As frequentes crises de gastrite levaram a apresentadora e modelo Ellen Jabour a beber todo dia, em jejum, um copo de água alcalina — uma água com pH maior do que 7. O resultado, declarou, foi “uma melhora significativa”. O ator Henri Castelli escreveu, em seu Instagram, que a ingestão desse tipo de água acabou com os problemas de pressão e de queimação no estômago.

Entre os adeptos da água alcalina filtrada, faz sucesso a promessa de que ela hidrata mais, regula o pH do organismo, combate infecções e é até mesmo uma arma contra o câncer. Mas grande parte da classe médica não engole essa ideia. E, no lugar da água destilada, cada vez mais ganha força a versão destilada do líquido.

Para começo de conversa, nenhuma água pode regular o pH nem combater qualquer doença. A principal função dela é hidratar o corpo — isso, sim, fortalece o organismo, explica o médico Paulo Farber, doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Só que a versão alcalina apresenta forte concentração de minerais, adicionados sob o falso argumento de que contribuem para se atingir os valores recomendados de ingestão do dia. No entanto, isso não passa de um mito, dizem especialistas como o médico Carlos Braghini Jr. “A quantidade de minerais na água é ínfima. Para a ingestão diária de magnésio adequada, precisaríamos beber 2 mil copos de água em um dia”, critica.

A água alcalina não é encontrada na natureza. Ela é produzida com o acréscimo de sais e minerais de pH alto (para corrigir a acidez) ou em filtros especiais por meio da eletrólise, um processo que separa a água da torneira em porções alcalina e ácida. Há filtros que acrescentam magnésio, o que teoricamente ajudaria a regular os índices de glicemia e colesterol e no combate a diabetes, hipertensão, derrames, obesidade.

Mas, justamente em função da presença de sais minerais, a água alcalina não hidrata tanto quanto prometem seus defensores. “Quanto menos sais houver, melhor para o rim funcionar. É por isso que a água do mar faz mal, porque tem muito sal”, afirma Farber.

Outro argumento usado pelos adeptos da nova moda sustenta que ela contribui para equilibrar a acidez do sangue (normalmente de pH 7,4, levemente alcalino) e dos nossos tecidos. O ambiente ácido (pH menor do que 7) favorece o desenvolvimento de doenças e, inclusive, para a proliferação de células cancerígenas. Segundo os entusiastas, beber água alcalina ajudaria a equilibrar a acidez. Só que essa ideia também carece de respaldo científico. “Nenhum médico faz tratamento contra o câncer usando água alcalina”, afirma Braghini Jr.

O organismo tem, sozinho, mecanismos próprios para regular o pH do sangue, através da urina, do suor e da respiração. Além disso, a ingestão de água não tem como acidificar ou alcalinizar o sangue. Como o estômago é extremamente ácido (pH entre 1 e 2 durante a digestão), a água alcalina tem o pH anulado após ser ingerida.

É possível, sim, acidificar o sangue — algo que os médicos chamam de “acidose”. Mas isso apenas acontece se você está com um problema grave que desequilibre o pH do sangue, como diabetes ou deficiência nos rins. Caso contrário, expelimos pelas vias naturais o excesso de ácido para retomar o equilíbrio.

Outra questão que precisa ser esclarecida: o sangue ou tecidos ácidos não favorecem a proliferação de células cancerígenas. Segundo Braghini Jr., ocorre o contrário: a ação da células doentes acidifica o ambiente. “Uma célula cancerosa é altamente dependente de glicose, açúcar e fermentação. Por conta dos resíduos metabólicos, ela produz ácido lático, o que deixa o ambiente ácido”, explica.

Infelizmente, nenhum desses argumentos impediu que a dieta alcalina, adotada por várias celebridades (incluindo aquelas citadas no começo deste texto), fizesse sucesso. Circulam na internet dicas para comer alimentos alcalinos (vegetais e legumes) e evitar alimentos ácidos (café e processados). A recomendação faz sentido, mas não por causa do pH, e, sim, pelos nutrientes presentes nos alimentos. Afinal, comer mais vegetais e legumes com certeza é melhor para a saúde do que lasanha congelada ou excesso de café.

OS CONTRAS DA ÁGUA POTÁVEL

Desvendado o mito da versão alcalina, vamos entender no que consiste a água potável. Recebe esse nome toda água insípida, inodora, incolor, sem micro-organismos e capaz de ser consumida pelo homem. Ela pode ter origem natural (quando vem de lençóis freáticos ou poços artesianos) ou tratada (quando está contaminada e é limpa em estações de tratamento).

Na maioria das cidades brasileiras, toda água que sai pela torneira pode ser bebida. Antes de chegar à nossa casa, no entanto, ela passa por rios, lagos, córregos e outros locais que a inviabilizam para o consumo humano. Isso porque alguns pontos do caminho recebem diretamente resíduos das indústria, da agricultura e do esgoto doméstico, ou ainda restos vegetais e animais comuns na natureza (galhos, folhas e corpos de animais silvestres).

Nas estações de tratamento, a água é separada dos restos sólidos, recebe produtos químicos para ficar livre de micro-organismos e de outras substâncias prejudiciais, tem o pH regulado e recebe até mesmo elementos para prevenir as cáries da população (confira as etapas de limpeza no box abaixo).           

Mas, ao fim do tratamento, a água não está purificada nem totalmente livre de causar danos à nossa saúde. O Ministério da Saúde define parâmetros sobre quais substâncias a água potável pode ter e o limite dos contaminantes orgânicos (como metais pesados). Sob o argumento de “adaptar os parâmetros à realidade brasileira”, essa lista deixa de fora uma enorme quantidade de elementos que a Organização Mundial de Saúde considera perigosos.

Um deles é a benzatona, presente em agrotóxicos e considerada tóxica para a ingestão humana. E, mesmo que exista um limite de quantidade dos contaminantes, eles ainda estão presentes, ainda que em pequeno grau. A longo prazo, o organismo pode sofrer consequências. “Atualmente, a maior quantidade de doenças crônicas surge por causa da água”, afirma Farber. Ele cita as mais comuns: hipertensão, diabetes, doenças no coração, artrites, síndrome metabólica e acidente vascular cerebral (AVC).

O cloro, ele explica, quando entra em contato com a matéria orgânica presente no esgoto, forma como subproduto o trialometano, uma substância extremamente cancerígena que é absorvida pela pele. Por sua vez, o flúor, usado para prevenir as cáries, a longo prazo, pode matar neurônios e está relacionado a distúrbios de atenção, memória e concentração.

Isso sem contar que a caixa d’água do prédio ou da casa onde você mora podem estar contaminadas, caso não sejam limpas com frequência. Se for o caso, parte do trabalho da estação de tratamento em proteger a saúde da população vai para o ralo, uma vez que você vai ingerir bactérias, fungos e outras substâncias presentes no reservatório.

Temos ainda a água mineral, também potável, já que, obviamente, você pode bebê-la. O nome se refere à alta quantidade de minérios como ferro, cálcio, sódio, potássio, mercúrio, magnésio, entre outros. Em geral, ela é natural e fica confinada abaixo do solo. Para que ela chegue à superfície, só por poços perfurados. Há também versões artificiais, nas quais os minérios são acrescentados em estações de tratamento. Nesse caso, elas não são minerais, mas mineralizadas. São as vendidas em garrafinhas e galões.

Teoricamente, a água mineral é bastante limpa, já que está protegida a muitos metros abaixo do solo. No entanto, cada vez mais surgem estudos mostrando que agrotóxicos conseguem penetrar no solo a ponto de chegar aos lençóis freáticos. O problema, neste caso, é o excesso de químicos que usamos nas lavouras. Outro agravante: elas são armazenadas em garrafas de plástico, o que abre uma gama de questionamentos sobre a possibilidade de contaminação.

ÁGUA DESTILADA: A ÁGUA MAIS SAUDÁVEL

Se você não quer correr o risco de ingerir substâncias prejudiciais à saúde e pretende purificar a água em casa, a versão destilada é a opção mais acessível para assegurar a pureza da bebida, segundo Braghini Jr. e Farber. Ela passa por um processo que retira todos os micro-organismos contaminantes e químicos adicionados em estações de tratamento. Você pode fazer isso em casa, com um aparelho destilador vendido em lojas especializadas.

A água destilada nada mais é do que H2O pura — ou seja, duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. Para obtê-la, é preciso fervê-la em um aparelho de sistema fechado, de modo que o vapor não se misture com as moléculas que pairam no ar. Em seguida, condensa-se o vapor em uma serpentina até que ele recupere o estado líquido.

Apenas as moléculas formadas por hidrogênio e oxigênio passam para a fase de condensação, deixando para trás o restante dos elementos, incluindo os tóxicos, que são pesados demais para evaporar com a água. O processo completo leva algumas horas, mas vale a espera. Ao fim, resta apenas H2O com pH neutro (igual a 7).

Passados alguns minutos do final do processo, a água destilada pode ficar levemente ácida em função do contato com o dióxido de carbono do ar. Mas, como explicamos no início da reportagem, não é essa acidez que vai prejudicar o organismo.

Outro benefício da versão destilada está na sua alta força iônica, que ajuda a aumentar o potencial zeta do sangue. Esse potencial de nome engraçado mede a capacidade de uma solução ser mais fluida ou coagulada. Um sangue com alto potencial zeta, portanto, é mais líquido, o que melhora a circulação. Em especial, isso é bom para quem tem diabetes, doenças renais ou cardiovasculares. No entanto, o indivíduo pode sofrer de hemorragia.

Por outro lado, quando o sangue tem baixo potencial zeta, mais ele se assemelha a um estado gelatinoso e mais ele coagula, o que é perigoso para quem sofre de hipertensão, diabetes e problemas cardíacos. E isso a água destilada ajuda a regular, visto que estabiliza as moléculas do sangue, equilibra o potencial zeta e contribui para a nossa saúde.

É verdade que a ingestão de água destilada pode causar intoxicação hídrica, condição provocada quando as células absorvem tanto líquido que ficam incapazes de trabalhar normalmente, o que pode levar o indivíduo ao coma seguido de morte. No entanto, Farber alerta que isso só acontece se você beber o líquido em excesso. “Precisaria beber 7 litros de água em um dia para isso acontecer”, afirma. Na prática, ninguém bebe tudo isso. A quantidade ideal, aliás, é a mesma recomendada para a ingestão de qualquer tipo de água: 35 m por kg corporal, o equivalente a quase 2,5 litros para um adulto de 70 kg. 

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