Rupert Sheldrake

Os campos mórficos são os verdadeiros projetos de engenharia da biologia

A memória da existência

 

O biólogo britânico Rupert Sheldrake abalou o meio científico ao propor que o desenvolvimento dos seres vivos é guiado por estruturas invisíveis que disseminam na natureza os padrões de desenvolvimento e comportamento mais repetidos por cada espécie. Por meio dos campos mórficos, os hábitos de cada um influenciam a mente, o corpo e a saúde de todos

 

 Foi com surpresa que a comunidade científica descobriu, em 2006, que o genoma do ouriço do mar era 80% semelhante ao humano, além de possuir cerca de mil genes a mais do que nós, seres racionais, que pisamos na Lua, inventamos a guerra e a medicina.

Para o biólogo britânico Rupert Sheldrake, a semelhança entre nós e o animal marinho caiu como uma luva. Melhor: como uma evidência. Por 25 anos, ele já defendia que o material genético não era capaz de explicar, sozinho, a diversidade de formas complexas que os seres vivos assumiam na natureza.

 

Segundo a ciência tradicional, a forma de um humano é dada por instruções genéticas, que ditam as coordenadas para a construção do corpo, da posição dos braços e pernas à cor do cabelo. Na visão de Sheldrake, os genes estão mais para tijolos do que para projetos de engenharia. O biólogo propõe que todos os seres vivos se desenvolvem guiados por campos mórficos. Semelhantes ao que pessoas espiritualizadas chamam de alma, esses campos são estruturas invisíveis que estão dentro e ao redor das coisas, moldando seu desenvolvimento biológico, seu comportamento e sua saúde.

 

Doutor em bioquímica egresso da Universidade de Cambridge, Sheldrake causou assombro ao apresentar ao mundo a revolucionária teoria no livro Uma Nova Ciência da Vida: a Hipótese da Causação Formativa e os Problemas Não Resolvidos da Biologia. Ao ser lançado, em 1981, o livro foi considerado “o principal candidato à fogueira em muitos anos” pela prestigiada revista científica Nature. Mas as ideias de Sheldrake seguem atuais e ainda hoje inspiram novas pesquisas e tratamentos em áreas tão diversas quanto a psicanálise e a medicina quântica.

 

Através do tempo e do espaço

 

 Os campos mórficos são os verdadeiros projetos de engenharia da biologia, segundo a teoria. Quando se origina um novo embrião, ele já traz consigo um esboço do adulto que um dia será. Quer dizer: o campo mórfico guia nossa transformação em sistemas complexos funcionais em vez de amontoados de células.

 

Mas onde o campo mórfico “aprende” os padrões que imprime à matéria? Dos próprios organismos. Cada novo ser contribui para a atualização desse projeto coletivo da natureza. Nossas ações repercutem no todo: quanto mais um comportamento é repetido, seja por pessoas, bactérias ou células, maior sua influência sobre os demais indivíduos — e maior a chance de que ele volte a ocorrer. Em um sentido amplo, tanto a doença quanto a saúde são padrões aprendidos pela natureza e reforçados pelos comportamentos de cada pessoa. Ou, como resumiu Sheldrake em entrevista à revista Scientific American: “O que isso quer dizer é que a natureza não tem leis, mas hábitos”.

 

Sheldrake chama de ressonância mórfica o mecanismo pelo qual os campos mórficos influenciam uns aos outros e dão origem a seres e sistemas cada vez mais complexos. Trata-se de um processo de transferência de informação que atravessa o tempo e o espaço, como uma memória coletiva de que todos se alimentam e para a qual todos contribuem.

O termo “ressonância” é uma analogia à ressonância física, que ocorre quando a amplitude com que vibra um sistema é aumentada ao encontrar outro sistema vibrando na mesma frequência. Pela analogia com a física, cada ser, assim como as partes que o compõem (órgãos, células, átomos), emite ondas que vibram em determinadas frequências. Essas ondas contêm informações do campo mórfico que as origina. Quando encontram outros indivíduos que estão vibrando na mesma frequência, sua força é amplificada. A ressonância mórfica fortalece os traços comuns entre os indivíduos e é mais intensa quanto mais semelhantes forem os organismos e comportamentos. Os hábitos de um obeso têm mais influência sobre o campo mórfico de indivíduos que comem compulsivamente do que sobre uma pessoa saudável, por exemplo. E sujeitos de hábitos saudáveis sofrem mais influência de outros campos mórficos sadios, favorecendo o equilíbrio do organismo.

 

 Aprendizado coletivo

 

No nível do indivíduo, a teoria de Sheldrake ajuda a compreender a importância de se adotar estilos de vida equilibrados. A partir de um olhar macro, os campos mórficos e a ressonância mórfica seriam as peças que faltavam para explicar a evolução dos seres vivos e de seu comportamento. Ao longo dos séculos, os padrões com mais ocorrência ressoam mais intensamente, influenciam mais indivíduos e consolidam-se no campo mórfico da espécie, como em um processo de aprendizado do todo a partir do conhecimento obtido pelas partes.

 

Um dos relatos mais impactantes de Uma Nova Ciência da Vida é sobre o estudo que o psicólogo William McDougall conduziu em Harvard nos anos 1920. McDougall buscava descobrir se comportamentos aprendidos por ratos poderiam ser transmitidos a gerações futuras — ideia proposta pelos primeiros evolucionistas, mas refutada no século 20. Ao longo de 15 anos, diversas gerações de cobaias foram colocadas em uma piscina com duas rotas de fuga: uma escada iluminada, onde levavam choques elétricos, e uma escada sem sinalização, pela qual escapavam ilesas. Conforme o estudo avançava, os descendentes de cobaias anteriores aprendiam cada vez mais rápido a usar a rota não sinalizada. O aprendizado sobre que caminho tomar era transmitido aos filhos.

 

O establishment científico buscou formas de explicar o fato, mas, um século depois, ainda não conseguiu elucidar como animais do grupo controle, filhos de pais que não haviam sido treinados, também aprenderam cada vez mais rápido o caminho certo à medida em que o experimento avançava. Da mesma forma, pesquisadores que tentaram desmascarar o experimento posteriormente, em outros países, constataram que suas cobaias partiam de um patamar mais elevado de conhecimento sobre a rota de fuga certa, como se tivessem aprendido a distância com os ratinhos de McDougall.

 

A recente descoberta de que comportamentos e experiências podem causar transformações não genéticas que são transmitidas hereditariamente sugere que as percepções de McDougall e Sheldrake estavam à frente de seu tempo .

 

Mente e corpo formam um mesmo todo

 

Na dimensão humana, o intercâmbio de informações por ressonância mórfica explicaria fenômenos como telepatia e intuição. Como estamos todos conectados pelo campo mórfico da espécie, Sheldrake sugere que compartilhamos com todos os humanos também as informações, a memória e o conhecimento sobre o mundo que habitamos.

 

Os campos mórficos podem ajudar a elucidar o que o influente psiquiatra e psicanalista suíço Carl Gustav Jung chamou de “inconsciente coletivo”, a camada mais profunda da psique onde estariam traços visuais e formas herdadas de seres humanos e outros organismos ancestrais. “Acredito que a compreensão da hereditariedade nos reinos vegetal e animal, e também dos padrões culturais e familiares de humanos, serão aprofundados, e isso poderá levar a formas muito mais eficazes de terapia, além de permitir uma maior integração entre sistemas terapêuticos”, arrisca Sheldrake.